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>Fight >Attack

Não sei quando que houve essa concepção geral de que videogames devem emular o que tentam representar o mais fielmente possível. Um jogo sobre corrida tem que ter um botão de acelerar, um jogo de corrida de cavalos não pode ser jogado por meio de um jogo de Paciência, um jogo sobre batalhas não pode ser por turnos.

RPG de turno deve continuar a existir. Eu defenderei esse sistema até o dia que eu não conseguir mais segurar um controle, no futuro distópico onde o mal venceu e todo jogo é um jogo Onde Se Faz As Coisas. Vou defender enquanto exista gente falando que Dragon Quest XI é antiquado, pois não respeita seu precioso tempo, fazendo-o escolher, por meio de um menu, sua próxima ação numa batalha. Dizem eles que não é imersivo, que quebra o “”””pacing”””””, o “””””ritmo”””””, o “””””flow”””””. Vou continuar lutando até me tornar o único bastião nesse mar insano de pessoas que acham que sabem o que é game design moderno.

Achar que design de jogos tem uma progressão linear, de etapa em etapa, é no mínimo maluquice ou ingenuidade, prova de que nem se devia estar falando de game design em primeiro lugar. Final Fantasy VII Remake não é a evolução de Final Fantasy VII, é uma alternativa, uma reimaginação, que pode até ser melhor que a original, mas não o invalida em nada. Essa falsa relação, muito comum, entre action-rpg ser a progressão do RPG por turnos fazem as pessoas falarem bobagens infinitas, como as relatadas no parágrafo acima, e mostra uma falta de compreensão imensa do que se está consumindo. É esse o mesmo tipo de pessoa que acha que por reclamar de tudo e falar mal, possui pensamento crítico apurado. 

Em um RPG de turnos, seu objetivo é vencer o inimigo na sua frente, seja pela utilização de ataques ou algum sistema diferente que o jogo possa possuir, os quais, às vezes, incluem reflexo e ação direta do jogador. Muitos desses jogos utilizam-se de encontros aleatórios no mapa do jogo para iniciar cada batalha. Nesses encontros, pode haver uma quantidade X de inimigos, às vezes todos iguais, às vezes diferentes, que representam um perigo para você e podem ser ou ignoradas ou derrotadas para o acúmulo de experiência. Com experiência suficiente você ganha um nível, que serve para aumentar seus atributos e, assim, deixar batalhas subsequentes mais fáceis. Como são jogos que geralmente não dependem de reflexo nem outras habilidades motoras, muito da dificuldade do jogo se dá por conta de inimigos fortes que devem ser derrotados atacando fraquezas específicas, ou treinando seu personagem até que esse inimigo não seja mais um problema.

Por essa descrição é fácil pensar “Mas tudo isso aí é apenas uma camada, não há necessidade de eu ficar esperando para fazer as ações, gostaria que o jogo testasse meus reflexos em tempo real com a ação do inimigo também, me sinto mais dentro desse universo dessa forma.” e… bem, tudo bem, é sua opinião. Mas ela não está necessariamente certa. Vamos pensar no papel que você está tomando em cada um dos casos.

No Action-RPG você é o protagonista, é quem toma a ação direta, é quem desvia dos golpes e decide se vai morrer ou não. Pontos de status importam, mas não tanto, pois sua habilidade individual compensa por eles. Parece objetivamente a melhor situação, não é? 

Mas o que se ganha de interatividade nesses jogos, geralmente se perde em estratégia, em golpes cinematográficos, em um show de luzes feito especialmente para aquele momento. É divertido ter interação direta com a ação, claro, os RPGs do Mario e até Final Fantasy brincaram bastante com isso, mesmo no formato de turnos. Mother 3 tem você apertando o botão em relação a batida da musica, mas todas essas são outras interpretações da mesma base e nenhuma delas é objetivamente mais avançado que Dragon Quest, por exemplo. Isso se dá porque a noção de que temos que ter ação direta sobre tudo que acontece dentro de um jogo é facilmente ignorada quando vemos que também é divertido mandar que os personagens façam coisas por você. Ninguém reclama que você não tem ação direta em todos os momentos da vida do seu Sim em The Sims.

Em um RPG normal você está mais a par de ser um estrategista que ser parte ativa do jogo. O jogo te incentiva a isso: os inimigos que você encontra geralmente são aleatórios, mas a sua formação dificilmente é.

É muito comum em RPGs, pelo meio ou final do jogo, os inimigos virem com uma formação onde metade é fraco contra magia e metade é fraco contra ataque físico. Cabe a você, o jogador, ter essa informação e saber utilizá-la, não basta só clicar no próximo ataque sem pensar, o jogo está te pedindo para parar um segundo e usar seu tempo. “O que você faz aqui?” “Quais magias utilizar nesse inimigo? Ele absorve alguma?”, é como se cada batalha fosse um pequeno puzzle, no qual depende de suas observações e dedicação até então para conseguir vencer. Por mais que RPGs de turno dependem bastante de nível, ainda não é o único fator, e há bastante ação e envolvimento do jogador durante ele, apenas fora do jogo e mais na cabeça do próprio. Tanto faz se pra você não faz sentido uma batalha ser representada por turnos. Ninguém reclama isso de xadrez, ou se reclama, devia ser preso.

Portanto, qual a lógica para afirmar que RPG de turno é coisa do passado e que temos coisas melhores? Além de preferência pessoal, não tem um argumento que se sustente nessa narrativa. Jogos de plataforma 2D não deixaram de existir depois do 3D, visual novels não sumiram no dia que apareceu o point-and-click, por que que com RPG de turnos isso seria diferente? Por que que ele é visto como objetivamente inferior? Acredito que boa parte é pelo quanto conseguimos tolerar hoje em dia. Temos uma quantidade gigantesca de jogos a nossa disposição e pouco tempo, então qualquer jogo que “não ande para frente” vai parecer algo asqueroso. O problema é que aí sua percepção em porque você joga videogames provavelmente está deturpada em sua base. Vale uma dose de introspecção para saber se você joga pra completar uma lista invisível ou se joga porque gosta.

Não se pode perder a capacidade de abstração para jogar videogame. Nem tudo que continua até hoje (ou que existiu antigamente) é por conservadorismo ou “limitação técnica”. Muito do que sobrevive é porque é bom, é porque tem seu espaço e suas qualidades. Não conseguir enxergar as qualidades de algo que dura é um problema, significa uma falta de flexibilidade de análise crítica. RPG por turno não vai sumir, RPG por turno vai durar porque é bom e justo.

Lucinna
Fantasma da sociedade com opiniões até demais. Vive por Nintendo, musica de videogame e Square-Enix. Intuição correta em 9 vezes de 10, de acordo com estudos.

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