JOGOS QUE JOGAMOS, PESSOAS QUE ODIAMOS
É muito comum desejar que algo péssimo aconteça com um personagem. O grau do que seria o péssimo varia: de vez em quando é perder o emprego, quase sempre é algo pior que a morte (com a modulação tradicional do contexto do qual faz parte o personagem — eu não gosto muito da porca dos Muppets, mas desejar sua morte é levemente psicótico [isso me fez lembrar de um filme meio antigo que vi com meus pais, em que um psiquiatra novo em uma instituição qualquer faz as primeiras rondas de sua residência e começa a conversar com uns pacientes. Acaba que o cara com quem ele fala é um assassino, matou a vizinha. “Sabe Alien? Com Sigourney Weaver?”, pergunta o paciente, “Sei”, diz o médico, e completa o raciocínio, “você achou que ela era o Alien?”, “não, achei que ela fosse a Sigourney Weaver”]).
O impulso que mais gera esse desejo em nós é o da retribuição. Pro vilão, toda tragédia; pro herói (NÓS), toda comédia. É a forma mais rudimentar de justiça: mesquinha e gostosa. Aquela bobagem de vingança ser saboreada fria. Bobagem, claro: é melhor que ela venha flamejante dos céus e não deixe vestígios.
Existem vilões suficientes no nosso mundo e fora dele para serem acachados pela onda natural que é o espírito vingativo humano. É muito fácil odiar vilão de filme, vilão de livro, vilão de novela. É muito fácil odiar vilão de jogo, e o vilão de jogo mais odiável é um outro jogador.
É um ódio um pouco diferente. A distinção resguarda a humanidade de quem odeia e a de quem é odiado: os jogadores, no jogo, seriam o papel do ator enquanto o ator seria a pessoa, fora do jogo. Eu queria o tempo todo que coisas horríveis acontecessem com Amy Dunne de “Garota Exemplar” (o papel) ao mesmo tempo em que só quero o bem de Rosamund Pike (a atriz).
Falando assim, talvez seja mais preciso dizer que o jogo do jogador que é odiado, mas isso é incorreto por um grau de abstração. Existe personalidade ali, é uma pessoa. E você quer destroçar, destruir, vencer, socar, bater, enganar, superar e humilhar aquela pessoa. Inclusive quando ela nem é seu adversário. Não tem ninguém mais fácil de odiar que um aliado incompetente. Rio enquanto escrevo porque esse impulso não é nem competitivo de verdade, não é proporcional à vontade de vencer nem proporcional ao desejo de evitar a derrota ao máximo. É o que é, é o jogo.
Relendo percebo que tenho que frisar: não existe nenhum descontrole e inflamação em meu ódio aos outros jogadores. É só um jogo afinal. E agora que saiu Super Smash Bros. Ultimate, eu espero destroçar, destruir, vencer, socar, bater, enganar, superar e humilhar um bocado de criancinha online, e meus amigos também.