RAGNAROK E MEU PULSO
Nesse exato momento meu pulso esquerdo me incomoda menos do que vinha incomodando nas últimas duas semanas. Eu não sei explicar exatamente a sensação, não é dor, pelo menos não é uma dor simples, aquela de beliscão ou de quando você bate o dedão na quina de algo. Quer dizer, talvez seja desse tipo de dor, mas não é só a dor o problema. É um daqueles incômodos latejantes e quase incorpóreos, algum documento pendente, aquela encomenda do correio que foi enviada para algum lugar absolutamente fora do caminho comum.
Sempre que eu tenho essas dores imagino algo peneirando o que estiver maculando aquela minha parte do corpo, uma redinha de pescar peixinho mesmo, até melhorar. Não ajuda.
A primeira vez que tive esse tipo de dor foi no lançamento de Destiny 2, não sei precisamente a causa. Pode ser que eu estivesse segurando o Dualshock 4 mal, pode ser que estivesse sentado de uma forma que quebrasse a ergonomia, tanto faz. Foi jogando Destiny 2 (D2).
D2 é um jogo fantástico, mas o que importa agora é, como então, que meu pulso dói. Mas agora dói por motivos diferentes. O culpado dessa vez (ALÉM DE MIM, CLARO) é aquele jogo patético, antigo, mal engendrado e mal planejado que é Ragnarok Online.
Voltar a jogar RO acontece periodicamente em intervalos variados. A gente acha um servidor mais ou menos legal, faz um punhado de personagens, equipa o punhado de personagens, revisita uns lugares mais ou menos legais, mata uns MVPs (Os Chefes) mais ou menos fortes e depois, naturalmente, paramos. O exato momento em que senti o incômodo no pulso foi enquanto eu mobbava (saía atraindo um monte de monstro prum ponto determinado pra que a party matasse [NÃO VOU EXPLICAR O QUE É UMA PARTY{nota do editor: um grupo de personagens que se junta com um objetivo em comum}]) Stalactite Golems com meu knight. Quando eu o senti só pude pensar “nossa senhora. eu sou muito burro. Sabia que não deveria ter ficado três horas tentando pegar aquela carta de Dragon Tail” (uma verdade absoluta).
O modelo clássico de RO é muito desagradável: coisas boas têm drop-rate baixíssimo, portanto são muito caras e muito difíceis de se conseguir, e aí você fica três horas (num servidor privado com índices de drop muito maiores) e machuca o pulso pra conseguir uma carta. Mas eu consegui a carta. E eu poderia ficar mais tempo lá e conseguir outra, talvez em dez minutos, talvez em quarenta e sete horas. As chances são cruéis.
É triste pensar agora, enquanto digito com meu pulso danificado, que meu próprio pulso doentinho me fez perceber que esse modelo antigo do gerar aleatório de números, da repetição absurda, do investimento caro do tempo de vida, das margens lotéricas de lucro, é o melhor modelo. Melhor do que o que foi inaugurado por World of Warcraft, ceifador-mestre da geração de MMORPGs da qual RO faz parte, e, fatalmente, melhor do que o de D2. Imagine querer aquela carta, tanto quanto eu a quis. Você está disposto a perder três horas seguidas por ela. Agora imagine não poder labutar por ela, imagine que ela é uma recompensa qualquer que será recebida por você no fim de um ciclo semanal ou mensal de missões. Em RO obter a carta era em si minha missão.
A criação da exigência da periodicidade para a conquista de itens e outros tesouros que auxiliam ou são a progressão no jogo impacta terrivelmente o investimento emocional do jogador. Ela requer um planejamento escalonador de recompensas que suga a maravilha que é conseguir um drop raro, um milagre fortuno se converte em porção-ração semanal. Eu odeio conseguir “o item da semana”, eu quero conseguir “o tesouro de uma vida” que nem pode ser buscado nos MMORPGs contemporâneos.
O que é, de verdade, mais cruel: essa servidão-como-estilo-de-vida de D2 ou a busca pela felicidade na selvageria do mundo que é RO?
Se você me perguntar, só um deles valeu essa dorzinha no pulso.