Jogos, esportes e jogos de esportes
É sempre curioso lembrar que esportes são jogos e que existem jogos de videogame de esporte, que são jogos de jogos, mas não deixam de ser jogos diferentes e unicamente feitos, e são mais que uma “mera” transcrição semiótica, como a transformação de um livro em filme, ou uma virtualização dos aspectos físicos. Você poderia, por exemplo, colocar uns visores de realidade aumentada em duas pessoas, cada uma com bases de raquete que ancorariam uma raquete virtual que acertaria a bola virtual, e pronto, você teria Tênis Virtual (ou Tennis VR™, o nome mais comerciável).
Mas não é isso que os grandes jogos de tênis fazem ou sequer tentam fazer. Ao invés disso, abrem mão da imediatidade da simulação para que consigam um jogo novo, e esses jogos não são estritamente adaptações de outro.
Os grandes jogos de tênis no videogame entendem um elemento mais fundamental do jogo-inspiração que é comum a tantos outros esportes (jogos): tênis é, fundamentalmente, sobre bater (em) uma bolinha.
E é com esse fundamento em mente e se aproveitando de elementos familiares que jogos de esportes criam jogos verdadeiramente novos. Tomemos por exemplo Mario Tennis Aces (esse novo aí pro Switch). Todo o contorno gráfico, complexo de animações, nomes, formas, instrumentos e ações são genuinamente tenísticos: o chapéu do Mario se transforma num daqueles quepes que são só aro e aba; os personagens jogam com raquetes mais ou menos verossímeis; os golpes na bola (e seus nomes) são semelhantes aos do tênis de verdade; as regras gerais são as mesmas, mas em outro mundo que contém em si outras possibilidades.
As possibilidades das quais falo são tanto permissivas quanto restritivas. Por exemplo, em Mario Tennis Aces, os personagens não cansam, se movimentam em velocidades constantes, não cometem erros não-forçados em situações normais. O último exemplo significa que ao mesmo tempo em que há a redução de erros fatais sem motivo, também não existe a liberdade de arriscar o máximo, a liberdade de tentar acertar os limites da quadra, o que significa que é infrutífero tentar jogar conservadoramente e deixar que o oponente erre. Esses são alguns exemplos simples, mas que enfatizam a importância da transferência do tênis da esfera física real para uma de videogames.
Eu não lembro quem, mas uma vez diferenciaram esportes e jogos de esportes da seguinte forma: em esportes é permitido fazer tudo que não seja proibido, em jogos de esportes só se pode fazer o que é permitido. Extensamente isso enaltece que as regras físicas do nosso mundo não são ajustáveis, portanto é mais fácil listar o proibido do que elencar o permitido, e no caso dos jogos de videogame é precisamente o contrário, tudo que acontece ou pode acontecer naquele mundo foi desenvolvido e determinado especificamente ou, no mínimo, seus parâmetros foram. Mas essa diferenciação não é o mais interessante, nem o mais importante quando se pensa em jogos de esportes.
A liberdade para criar um mundo em que as interações físicas impossíveis do nosso sejam possíveis é a característica mais interessante e importante. Sim, “poderes”, mas não exclusivamente os poderes “absurdos”, e sim a criação de consistências e inconsistências que não existem em nosso mundo, e aí interações e situações que não existem em nosso mundo, e é na navegação dessas que a magia dos jogos de esportes acontece. Um chute que jamais sairia daquela força no mundo real é incrível em um jogo de futebol, um efeito que não pode ser impresso numa bola de tênis, um pulo de mais de dois metros de um fielder para apanhar uma bola rebatida e eliminar o rebatedor no baseball e mais um milhão de diferenças sutis que pode ser vistas a todo momento. Sem contar todos os ângulos, todas as forças, todas as direções que tradicionalmente seriam impossíveis.
Eu gosto de como as simetrias e assimetrias são envolventes nesses tipos de jogos. Meu jogo de tênis favorito é Prince of Tennis Smash Hit 2, baseado no mangá/anime homônimo (tirando o “Smash Hit 2”). Por ser baseado em tal, seus os personagens têm as mesmas características, golpes, habilidades, falhas e estilos, todos são excepcionais (mesmo no mundo do jogo), mas não são divinos. Esse jogo é meu favorito por conta da liberdade de arriscar que Mario Tennis Aces não oferece e da variedade de instrumentos. Cada personagem possui algo como, no mínimo, cinco técnicas especiais (exclusivas ou não) e controle maior sobre aspectos dos golpes de raquete como giro, força, ângulo e profundidade. Nele suas decisões pendem mais, há mais jogadas perdedoras, então o risco carregado em forçar jogadas ganhadoras é maior, sem contar que Os Poderes do jogo aumentam a gama de situações em que você pode se meter e tem de superar. Vejam um pouco do vídeo abaixo, não é interessante?
https://www.youtube.com/watch?v=6whH7-zKhfY
É Cada Bola.