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O Gabinete de Junji Ito

Junji Ito Collection ainda não terminou sua temporada de doze episódios, mas já sabemos como vai ser o final: dessaboroso, desamoroso, confuso. Só que, além de todos os adjetivos superficiais que podem descrever uma obra de terror terrível, com tudo que foi mostrado até agora também sabemos que será bom, respeitoso, no nível de atenção, clareza e fidelidade que as obras merecem.

Enquanto Masaaki Nakayama se apega ao e se? e esconde a consequência, e Suehiro Maruo à crassidão humana, Junji Ito exibe o começo, o meio e o fim em uma sequência sem pausas, que quanto mais se conectam menos se conectam, e ao terminar de ler o que quer que seja ficamos assim, com um buraco no peito. Não é tristeza nem nojo nem medo nem solidão, é só uma ausência, uma eterna expressão de “oh” que engessa no rosto e deixa vazar pra longe isso que nos pertencia e agora nos falta, e que não conseguimos nunca identificar exatamente o que é.

Seus mangás são ladrões, bandidos furtivos que sugam do leitor uma inocência que nem sabíamos estar lá e, quando ela se vai, resta não um “será que isso pode acontecer comigo?”, mas sim um “espero que não aconteça com mais ninguém”.

E com a adaptação animada não é diferente. Finalmente, depois de todos esses milhões de anos de filmes live action tenebrosos e meias animações duvidosas, seu trabalho é trazido à luz por mãos firmes, definições claras do que precisa ser respeitado e o que pode sair pelos ares e ser realmente um anime. Cada episódio é composto por duas ou mais histórias da série Fragmentos do Horror, que não é tão conhecida quanto Uzumaki ou Amigara, e talvez por isso é ainda mais interessante de se ter em vídeo.

Gosto do primeiro episódio de cara jogar Souichi no espectador, ao invés de mandar as mais pedidas Tomie, cabeças de balão ou a menina que vira lesma – Junji Ito é mais do que terror, do que aqueles cinco segundos de “ih carai”. Cada história é uma refeição completa, e nem toda refeição é feita de sangue e tripas. Então a aparente bobajada de “vou amaldiçoar meus coleguinhas porque odeio tudo e todos” e claquete de risadas, mesmo isso, tem lá no fundo aquele “uf, ainda bem que nem estudo aí”. Cada episódio é um degrau na escalada, e quando finalmente chegamos naquele da família que tem muita espinha só queremos que a escalada acabei, ou pelo menos que Souichi volte e me diga que o terror nem é tão terrível assim, são só um monte de crianças pregando peças e dando vida a bonecos de pano.

Quando não se sabia por onde começar Junji Ito, a recomendação sempre era “lê Amigara e aí é só bueiro abaixo”. Finalmente podemos dizer “assiste o episódio 5 de Junji Ito Collection” sem nem piscar, sem precisar encontrar álbum no imgur pro amiguinho, nem precisar denunciar vídeos do youtube com o final do filme de Uzumaki por vergonha de tal ofensa cinematográfica.

Fica a esperança da série sobre viver com gatos também ser adaptada, com a mesma dignidade de traço e cor.

Maciel
Narrativas interativas e plantas mortas-vivas. Cansada demais para a internet, mas tentando sempre.

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